Arábia reordena alianças em detrimento de Iêmen
12/05/2015 – 15:29:26
Dez países sunitas disputam butim da estratégica nação
Sana – Prossegue com indescritível violência o banho de sangue que começou em março deste ano aqui, no Iêmen, e intensificou-se pelos bombardeios da coalizão de dez países sunitas na Operação Tempestade Decisiva, liderada pela Arábia Saudita e com a participação do Egito, Bahrein, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Catar, Emiratos Árabes Unidos e Paquistão. O recente cessar-fogo anunciado pela Arábia Saudita durou apenas algumas horas.
Assim, mais um país do Grande Oriente Médio, o mais pobre, é conduzido ao caos. Apesar de não existir ainda uma maciça intervenção militar terrestre, as batalhas entre os iemenitas dos dois lados (situacionistas e oposicionistas) são sangrentas, e ao que tudo indica está sendo concluída uma – por enquanto – tricotomia do país.
O Iêmen situa-se em um ponto extremamente estratégico do mapa mundial, com ponto predominante a passagem de Bab El-Mandeb, estratégico portal entre o Mar Vermelho, o Golfo do Aden e o Canal de Suez. Por aqui passa 1/4 do volume mundial de petróleo, tornando assim esta região campo de violento antagonismo entre potências mundiais representadas pelos seus procuradores países árabes vizinhos do Iêmen, que aproveitam a oportunidade para fatiá-lo, além de resolverem suas velhas rixas.
Nos últimos quatro anos, a Arábia Saudita interveio militarmente no Bahrein e no Iêmen alegando necessidade de protegê-los contra a conspiração iraniana. Contudo, neste conflito no Iêmen, parece que os guerrilheiros iemenitas houthi têm, somente, uma mínima relação com o governo de Teerã.
Não existem provas concretas de serem apoiados militarmente pelos iranianos, cujo governo – ao que tudo indica – está tentando aumentar sua influência política sobre o Iêmen, não transferir ali o peso decisivo de seu choque com a Arábia Saudita, preferindo manter o epicentro de seu acerto de contas com os príncipes de Riad no Iraque e na Síria.
Em todo caso, a Arábia Saudita aproveitou imediatamente o “risco iraniano no Iêmen” e arrastou vários regimes monárquicos, ditaduras sunitas e príncipes de opereta em uma coalizão sob sua óbvia liderança. Se conseguir impor sua própria solução no Iêmen, consolidará sua posição de liderança absoluta sobre o mundo árabe-muçulmano. Mas, se fracassar, o apoio do Irã será galopante, especialmente se for acompanhado pela conclusão de seu acordo com o Ocidente sobre seu programa nuclear.
Cinismo de periféricos
Estes reordenamentos criam grandes dilemas para as demais forças periféricas – principalmente Egito e Turquia (ávidos para participarem do rateio do butim), os quais também pertencem ao eixo sunita. Aparentemente, o Egito está aceitando o papel de liderança assumido e desempenhado, por enquanto, pela Arábia Saudita, considerando que o governo golpista do Egito necessita do apoio da Turquia para o combate à Irmandade Muçulmana em seu interior.
A propósito, o interesse do Egito está guinando, principalmente, sobre os países árabes da África do Norte (onde, aliás, enfrenta outros países da coalizão do Iêmen, como o Catar e o Sudão).
A Turquia, apesar de seu antagonismo com a Arábia Saudita e sua oposição na Síria e no Egito (onde o governo de Ancara apoia ostensivamente a Irmandade Muçulmana), apressou-se a apoiar a Operação Tempestade Decisiva, sob a liderança da Arábia Saudita, com objetivo básico de cultivar seu relacionamento com o novo rei saudita.
Esta aproximação pode parecer no próximo período e em uma posição comum na guerra da Síria, com agrupamento de diferentes forças que estes dois países controlam contra o presidente da Síria, Bachar Al Assad. Isto não significa que existirá a mesma aproximação no enfrentamento do Irã (a Turquia defende o direito do Irã na energia nuclear e mantém com os ayatolas de Teerã estreitas transações energéticas e, em outros setores).
Povo paga a conta
A areia movediça do Grande Oriente Médio impõe que faça aliança onde e com quem possa e conserve sua divergência apenas onde diverge, mesmo que isto envolva situações de guerra e extermínio de milhares de pessoas.
Isto fazem os Estados Unidos: enquanto, por um lado, promovem a normalização de suas relações com o Irã, por outro apoiam a coalizão formada e liderada pela Arábia Saudita, enquanto preocupam-se com o fortalecimento da Al Qaeda local.
Assim, o Iêmen, o mais pobre países do Grande Oriente Médio, encontra-se atualmente no epicentro de um contínuo conflito de reordenamentos periféricos e paga caro. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Tempestade Decisiva causou até agora no Iêmen a morte de 1.080 iemenitas, desarmados, mulheres e crianças.
As tentativas de um movimento para democracia e independência, ocorridas em 2011, parecem longínquas, embora permaneçam sendo a única saída. Aliás, tanto aqui, no Iêmen, como em qualquer outro país, ainda a possível ocupação militar pela coalizão da Arábia Saudita não poderá proporcionar nenhuma espécie de pacificação, mas simplesmente constituirá o permanente e doloroso beco sem saída.
Serbin Argyrowitz
Sucursal do Grande Oriente Médio.