O xeque do Bahrein, Salman bin Ebrahim al-Khalifa, ganhou força nas últimas semanas e já desponta entre os favoritos à sucessão de Joseph Blatter na presidência da Fifa. Um dos últimos a oficializar sua candidatura ao pleito do dia 6 de fevereiro, Khalifa recebeu apoio unânime da Confederação Asiática de Futebol (AFC, em inglês) – organização da qual é presidente – e tem angariado o suporte de federações filiadas à Confederação Africana de Futebol (CAF). Na segunda parte de uma entrevista à Gazeta Esportiva, ele enumerou as propostas que deseja implementar para coibir a corrupção na Fifa e classificou o modelo político da CBF como um exemplo a não ser seguido no futebol mundial.
Khalifa foi eleito em 2013 para a presidência da AFC e concordou em concorrer à Fifa após o Comitê de Ética da entidade suspender Michel Platini, aliado da confederação asiática, por conta de irregularidades financeiras. Integrante da família real que governa o Bahrein há mais de dois séculos, o xeque defende que o próximo presidente da Fifa tenha os poderes divididos com uma cúpula de dirigentes. “Microgerências levam à complacência e à negação de responsabilidades”, afirmou. Segundo ele, a corrupção na entidade não é “endêmica ao futebol” e só será coibida com a implementação de centros de controle independentes e legislações rigorosas.
Como presidente da AFC, Khalifa isentou o Catar das irregularidades que rondam a Copa do Mundo de 2022. Além das suspeitas de que a escolha da sede ocorreu mediante o pagamento de propinas, o país é acusado de fazer vista grossa às condições análogas à escravidão nos canteiros de obras de estádios e da infraestrutura da competição. Um levantamento feito no ano passado pela Confederação Sindical Internacional (ITUC) apontou que mais de 1.200 trabalhadores morreram no Catar, sendo a maioria imigrantes provenientes da Índia e do Nepal. Para Khalifa, no entanto, “é um fato provado que todos comprometidos com as obras da Copa do Mundo [de 2022] possuem condições de vida acima dos padrões regionais”.
Gazeta Esportiva: Todos os cinco candidatos propõem o fim da corrupção na Fifa e reformas na política da entidade. Se o senhor vencer a eleição, quais medidas concretas pretende implementar para fazer essas mudanças?
Salman Al-Khalifa: Precisamos entender cuidadosamente onde esses problemas começam antes de aplicarmos os remédios apropriados. Na minha opinião, os problemas não são endêmicos ao futebol, mas sociais e sociopolíticos. Diferentes pessoas reagem de formas diferentes à tentação. E algumas pessoas aparentemente são audaciosas ao ponto de cometerem atos criminosos para assegurar uma vantagem injusta.
O problema fundamental em algumas confederações e associações ligadas à Fifa é a enorme quantia em dinheiro que passa pelos cofres dessas instituições. Portanto, precisamos exercitar ao máximo o controle sobre o fluxo de fundos que emana das lucrativas vendas de direitos e marketing. Isso implica em centrais de controle mais rigorosas e certamente se aplica a todo montante que a Fifa distribui aos seus membros e confederações.
Uma vez controlado o fluxo de dinheiro, poderemos combater a corrupção de forma mais ampla. Princípios draconianos devem ser criados e adicionados aos estatutos da Fifa e um órgão internacional externo precisa controlar o seu cumprimento e implementação em níveis nacionais e regionais.
Nunca será possível eliminar por completo a corrupção enquanto existirem indivíduos que são cruéis o suficiente para desviar dinheiro que não deveria estar em seus bolsos. Educação, consciência de seu papel na sociedade, controle e uma supervisão rigorosa são medidas que podem ajudar de forma gradativa.
GE: O senhor foi um dos últimos a confirmar a candidatura à presidência da Fifa. Teve alguma dúvida?
Khalifa: É certo que eu precisei de um tempo para decidir se ia ou não concorrer à presidência da Fifa. E há muitas razões para isso. Em primeiro lugar, como presidente eleito da Confederação Asiática de Futebol (AFC), minhas obrigações primárias eram com minha região. Isso significa que eu precisava da opinião do meu Comitê Executivo para saber se eles queriam que eu concorresse ou não. Busquei o conselho e a opinião de todos e, como são 20 membros, isso levou certo tempo. Além disso, eu quis me certificar de que minha candidatura seria bem recebida entre o maior número de dirigentes internacionais e pessoas influentes no futebol mundial. Isso logicamente também levou tempo. Por último, mas não menos importante, a Confederação havia apoiado a candidatura de Michel Platini, então tive que observar se ele concorreria ou não. Finalmente, consultei minha família e discuti com eles as mudanças que esse novo desafio trará para todos nós.
GE: O senhor acredita que o candidato Ali Bin Al-Hussein, que também tem representatividade na Ásia, possa contar com alguma vantagem por já ter competido contra Joseph Blatter na última eleição?
Khalifa: É muito difícil ter sucesso como um candidato sem o apoio ativo da sua própria confederação. E o Comitê Executivo da AFC, que representa todos os países membros da entidade, tomou a decisão unânime de apoiar a minha candidatura nesta eleição.
GE: Qual o seu maior oponente na corrida à presidência da Fifa?
Khalifa: Todo candidato é um oponente que deve ser levado a sério. E eu farei isso. Todos eles merecem ser respeitados. Soaria imprudente e arrogante se menosprezasse um deles e elevasse outro. Somos todos candidatos e o tempo nos dirá quem será o vitorioso, embora acredite que os cinco candidatos não estarão competindo pelo cargo ao final das eleições.
Os rivais do Khalifa
Além do xeque do Bahrein, a dianteira da corrida presidencial da Fifa conta com a presença de Gianni Infantino, atual secretário-geral da Uefa. A candidatura do suíço tem o apoio da confederação europeia de futebol e da Conmebol – a CBF comunicou que seguirá a decisão da cúpula sul-americana de votar em bloco pela eleição de Infatino. Também concorrem no pleito o francês Jérôme Champagne, ex-secretário-adjunto da Fifa e provável candidato de Joseph Blatter, o empresário sul-africano Tokyo Sexwale e o príncipe jordaniano Ali Bin Al-Hussein. São remotas as chances dos dois últimos alcançarem qualquer favoritismo na disputa eleitoral.
GE: Antes da última eleição, o ex-jogador português Luis Figo retirou a sua candidatura à presidência por não concordar com o processo eleitoral. Dessa vez, o ex-jogador brasileiro Zico criticou as regras que o impediram de formalizar sua candidatura. O senhor concorda com a necessidade de se reformar o processo eleitoral da Fifa?
Khalifa: É privilégio de Figo e Zico dar voz às suas insatisfações com o processo. Hoje, de acordo com os estatutos da Fifa que existem, precisamos aderir ao processo da forma com ele é. Se for eleito, certamente discutirei reformas que incluirão a questão de quem pode concorrer à presidência da Fifa e sob quais circunstâncias isso poderá ser feito.
GE: O presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, entrou de licença por tempo indeterminado após ser indiciado nos Estados Unidos por corrupção. Com isso, todos os últimos três presidentes da entidade tornaram-se réus na Justiça norte-americana. Qual a sua opinião sobre a atual situação da CBF?
Khalifa: Sou um observador e um consumidor de informação assim como todos os torcedores e jogadores ao redor do mundo. Não estou intimamente familiarizado com a CBF nem sua estrutura e seus negócios. O que parece emergir, no entanto, é uma imagem muito ruim que abrange décadas de atos ilícitos. Dito isso, ninguém é culpado antes de uma corte expressar um veredicto. Contudo, me parece que mudanças significativas devem ser feitas no Brasil e na Conmebol. Se o poder está concentrado nas mãos de um homem ou de poucas pessoas, e se esse poder permanece investido neles por muito tempo, a corrupção pode se tornar uma realidade. Não acredito em tal conceito e quero mudar o papel do presidente da Fifa por essa razão. Se for eleito, não serei um presidente executivo. É preciso delegar e distribuir o poder entre profissionais altamente capacitados e que possuem um alto nível de integridade. Microgerências levam à complacência e à negação de responsabilidades. Quero evitar isso.
Mudanças devem ocorrer no Brasil. Se o poder está concentrado nas mãos de um homem, a corrupção pode se tornar uma realidade.
Salman bin Ebrahim al-Khalifa
GE: A Conmebol optou por apoiar em bloco a campanha do candidato Gianni Infatino. O senhor tem a intenção de conversar e pedir o voto de Marcus Vicente, o substituto temporário de Del Nero na presidência da CBF?
Khalifa: Não tenho planos de visitar a América do Sul. Certamente é um direito da Conmebol apoiar a candidatura de um candidato. Eu não questiono isso e prefiro não fazer comentários a respeito.
GE: A imprensa internacional tem noticiado que Joseph Blatter deve apoiar a candidatura de Jérôme Champagne à presidência. Não é contraditório que todos os candidatos prometeram implementar um processo de reformulação na Fifa, mas precisam pedir o apoio de dirigentes investigados por crimes de corrupção?
Khalifa: Não vou comentar sobre outros candidatos. Apenas lhes desejo sorte e torço para que o melhor vença. Mas certamente esse não é um desdobramento muito bom. Só posso falar por mim mesmo: eu não tenho a intenção de pedir o apoio de pessoas que são investigadas por corrupção, não importa onde eles vivem ou de onde eles tenham vindo.
GE: Como o senhor, na figura de presidente da AFC, tem administrado as denúncias internacionais de que o governo do Catar usa mão de obra escrava para construir os estádios da Copa do Mundo de 2022?
Khalifa: Você está misturando maçãs com peras e está fazendo alegações que não refletem a realidade do Catar. É um fato provado que todos os trabalhadores que estão comprometidos com as obras da Copa do Mundo possuem condições de vida que estão acima dos padrões regionais.
Você também deve questionar a si mesmo. Literalmente, todas as empreiteiras que estão construindo estádios e outras edificações no Catar são companhias estrangeiras. Muitas delas são europeias, algumas norte-americanas e outras asiáticas. Como toda a culpa recai sobre o Catar e ninguém nunca considera o fato de que as empreiteiras são em sua maioria corporações estrangeiras?
Dito isso, é óbvio que ninguém pode perdoar ou aceitar o fato de que trabalhadores não estão sendo tratados com respeito, dignidade e sendo pagos de forma apropriada. O Catar registrou muitos progressos em todas as áreas e estou confiante de que este é um processo que acarretará em outras melhorias.
ONGs denunciam abusos “descontrolados”
As denúncias de abusos cometidos contra trabalhadores no Catar continuam frequentes. Um relatório divulgado pela organização Anistia Internacional, no início desse mês, diz que as infrações aos direitos básicos dos operários seguem ritmo “descontrolado” cinco anos após o país ter sido eleito a sede da Copa do Mundo de 2022. Dados da embaixada da Índia em Doha, capital do Catar, apontam que 260 imigrantes indianos morreram só nesse ano no país. A título de comparação, o Brasil registrou nove mortes em canteiros de obras da Copa do Mundo de 2014. Questionado sobre as declarações de Khalifa a respeito dos trabalhadores no Catar, Nicholas McGeehan, pesquisador da Human Rights Watch no Golfo Pérsico, afirmou que “este é um comunicado sem sentido e que partiu de alguém claramente ignorante”.
GE: Se abusos contra trabalhadores não são suficientes para alterar a sede da Copa do Mundo de 2022, o senhor consideraria mudá-la caso fosse provado que o processo de escolha do Catar foi corrompido? O senhor aplicaria a mesma decisão à Copa do Mundo de 2018 da Rússia?
Khalifa: Existe até hoje muito barulho sobre corrupção e subornos nos veículos de comunicação. O fato é que ninguém até agora apresentou nenhuma evidência de que qualquer país tenha vencido a candidatura à Copa do Mundo através de meios antiéticos. Enquanto não houver provas, nem a Fifa nem os órgãos fiscalizadores da lei podem tomar qualquer ação. Como presidente da Fifa, vou me ater às leis da terra e serei direcionado pelos fatos, não por suspeitas e alegações. Nenhuma delas foi provada como verdade até agora. Se qualquer país for considerado culpado de corrupção no processo de escolha da sede, medidas muito sérias precisam ser tomadas. Mas eu me recuso a especular e oferecer uma opinião baseada somente em reportagens da imprensa e alegações que carecem de qualquer evidência até hoje.
GE: Por que o senhor acha que pode vencer as eleições?
Khalifa: Tenho um sólido histórico na associação de meu país e também como presidente da Confederação – cargo para o qual fui eleito em 2013. Eu consegui unir a Ásia, que apresentava sérias divisões quando assumi o cargo. Dediquei boa parte da minha vida ao futebol. Fui jogador, escalei lentamente a hierarquia da federação do Bahrein até me tornar presidente da entidade e, posteriormente, da confederação asiática. Não sou um dirigente que esteve na Fifa quando toda essa corrupção ocorreu, já que só fui eleito para o Comitê Executivo em 2013. Ao mesmo tempo, tenho experiência suficiente porque servi em diversos comitês da Fifa e da AFC ao longo dos anos. Dou o máximo valor para assuntos ligados às raízes e à base, porque essas são as pedras fundamentais de todo e qualquer desenvolvimento. Também sou um campeão dos países pequenos que, sem o apoio da Fifa, nunca teriam obtido as melhorias que eles conseguiram. Acredito que sou um homem que une as pessoas, um homem que busca o diálogo à confrontação e sempre priorizou a harmonia e a reconciliação.
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